CRÔNICA: FESTA DE ANIVERSÁRIO - FERNANDO SABINO.
Leonora chegou-se para mim, a carinha mais limpa deste mundo:
- Engoli uma tampa de Coca-Cola.
Levantei as mãos para o céu: mais esta, agora! Era uma festa de aniversário, o aniversário dela própria, que completava seis anos de idade. Convoquei imediatamente a família:
- Disse que engoliu uma tampa de Coca-Cola.
A mãe, os tios, os avós, todos a cercavam, nervosos e inquietos.
- Abra a boca, minha filha. Agora não adianta: já engoliu. Deve ter arranhado. Mas engoliu como? Quem é que engole uma tampa de Coca-Cola? Pode ter ficado na garganta - urgia que déssemos uma providência, não ficássemos ali, feito idiotas. Tomei-a ao colo: -- Vem cá, minha filhinha, conta só para mim. Você engoliu coisa nenhuma, não é isso mesmo?
- Engoli sim, papai - ela afirmava com decisão. Consultei o tio, baixinho:
- O que é que você acha?
Ele foi buscar uma tampa de garrafa, separou a cortiça do metal:
- O que você engoliu: isto... ou isto?
- Cuidado que ela engole outra -- adverti.
- Isto - e ela apontou com firmeza a parte de metal.
Não tinha dúvida: Pronto-Socorro. Dispus-me a carregá-la, mas alguém sugeriu que era melhor que ela fosse andando: auxiliava a digestão.
No hospital, o médico limitou-se a apalpar-lhe a barriguinha, cético:
- Dói aqui, minha filha?
Quando falamos em radiografia, revelou-nos que o aparelho estava com defeito: só no Pronto-Socorro da cidade.
Batemos para o Pronto-Socorro da cidade. Outro médico nos atendeu com solicitude.
- Vamos já ver isto.
Tirada a chapa, ficamos aguardando ansiosos a revelação. Em pouco o médico regressava:
- Engoliu foi a garrafa.
- A garrafa?! - exclamei. Mas era uma gracinha dele, cujo espírito passava ao largo da minha aflição: eu não estava para graças. Uma tampa de garrafa! Certamente precisaria operar -- não haveria de sair por si mesma.
O médico pôs-se a rir de mim:
- Não engoliu coisa nenhuma. O senhor pode ir descansado.
- Engoli - afirmou a menininha.
Voltei-me para ela:
- Como é que você ainda insiste, minha filha?
- Que eu engoli, engoli.
-Pensa que engoliu -- emendei.
- Isso acontece - sorriu o médico - até com gente grande. Aqui já teve um guarda que pensou ter engolido o apito.
-Pois eu engoli mesmo - comentou ela, intransigente.
Você não pode ter engolido -- arrematei, já impaciente. -- Quer saber mais que o médico?
- Quero. Eu engoli, e depois desengoli -- esclareceu ela.
Nada mais havendo a fazer, engoli em seco, despedi-me do médico e bati em retirada com toda a comitiva.
Crônica: Festa de aniversário
Quadrante. Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1962.
Entendendo a crônica:
01 – Qual é o conteúdo desta crônica?
02 – Por que ela é considerada uma crônica?
03 – Como em todo texto narrativo, tem alguém que conta a história. Quem é o narrador deste texto?
04 – Quem são as personagens do texto?
05 – Qual o fato que se narra nesse texto?
2. Exercícios de revisão no livro de Língua Portuguesa, páginas 10 e 11.
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